A corrupção e o financiamento das campanhas eleitorais

Marcelo Manzano* | Artigo publicado originalmente pelo Brasil Debate 

Ser contra a corrupção é mais ou menos como ser a favor da vida, como defender os rios e os peixes. Uma unanimidade tão louvável quanto inócua que, se não é burra, frequentemente vem acompanhada de oportuna preguiça mental.

A imagem clássica da corrupção é aquela cena que tantas vezes se assistiu no telejornal da noite: um político ou funcionário público recebendo um pacotaço de cédulas, flagrado sorridente por uma câmera escondida que lhe expõe os caninos.

Mas infelizmente não é bem assim que a coisa funciona, pois, essa talvez seja apenas a face mais tosca das práticas de privatização do Estado que avançam aqui e em todos os rincões do mundo. Além de meios muito mais sutis, a corrupção, antes de qualquer coisa, é uma decorrência lógica e até previsível da crescente substituição de valores (éticos, morais, religiosos ou tradicionais) por preços.

No jargão do economês, dir-se-ia que se trata da precificação das normas sociais ou da redução da sociabilidade a um exercício de comparação entre custos de transação. Se fulano suborna sicrano por $ 100 e sicrano calcula que o risco de ser pego é de $ 80, então, na ausência de outros valores, não há nenhum motivo racional para imaginar que sicrano não se deixará corromper.

Esse é o drama, simples e tremendamente estúpido – como, aliás, é a crença de que a dita racionalidade instrumental é o melhor guia para erigir um mundo.

Entretanto, como nem todos os valores foram ainda substituídos por cifrões, há certamente muito a se fazer, a começar por isolar, tanto quanto for possível, a órbita das instituições políticas da racionalidade dos mercados. É por isso que o financiamento privado das campanhas deve mesmo ser proibido. Mas é importante ter em mente que esse será um passo importante, mas insuficiente. Pior, se ficar apenas nisso, é possível mesmo que se assista a uma agravamento da corrupção.

Deve-se ter claro que o que corrompe o processo eleitoral e acaba comprometendo a gestão pública é, antes de qualquer coisa, a disseminação do chamado “caixa dois”.

O problema é que, ao contrário do que se costuma imaginar, o caixa dois só existe porque os doadores (agentes do setor privado, como empresários, lobistas, representantes de instituições religiosas ou de classe, entre outros) enxergam nas campanhas eleitorais uma rara oportunidade para usar o dinheiro não declarado que mantêm guardado debaixo do colchão, na conta de um laranja ou de uma empresa offshore.

Patrocinar um deputado ou um governante é mais do que uma ótima estratégia de diversificação do portfólio. Aquela grana escusa e mal ajeitada que perambulava escondida dos filhos e dos fiscais encontra nas eleições uma rara possibilidade de abrir frentes de negócios nos anos vindouros. Se tudo funcionar, i.e, pelo menos um dos candidatos apoiados vencer, o capital retornará ampliado.

Por outro lado, para os políticos ou para os partidos não há grandes vantagens em aceitar o “caixa dois”. É obviamente muito mais interessante receber a doação de forma transparente e declará-la sem riscos aos órgãos de fiscalização. Quem exige o ilícito, o malfeito, é na maior parte das vezes o doador.

Ao político cabe escolher entre aceitar e dar um jeito de esconder ou ficar sem a grana e tentar vencer no gogó e no voto de opinião. Qualquer político com um mínimo de discernimento bem sabe o quanto deve ser incômodo carregar o patrocinador escuso ao longo dos anos de seu mandato, tendo que atender pleitos pouco republicanos e negociar com a tigrada a cada passo que queira dar no futuro.

Portanto, é preciso muito cuidado ao tratar do tema do financiamento das campanhas. Primeiro porque não são propriamente as doações legais que selam os pactos fáusticos entre interesses privados e representantes da vontade coletiva. Segundo porque na ausência do financiamento privado e do dinheiro legal – i.e, do caixa um – é plausível imaginar que os cacifes do submundo ganhem ainda maior importância, conferindo mais poderes aos Mefistófeles de plantão que mais do que nunca estarão a recordar dos acordos de outrora.

Assim, se o que se pretende é evitar que os interesses privados continuem desvirtuando os sentidos da boa política, além de acabar com o financiamento privado, é preciso também limitar e controlar com rigidez e parcimônia o volume de gastos das campanhas. Não se deveria aceitar que magos da publicidade vendam seus serviços intangíveis por fábulas de dinheiro, nem que se lance tanta parafernália midiática nas ruas durante as semanas que antecedem as eleições. Do jeito que a coisa vai, com os gastos correndo soltos e o financiamento atrás, até a famigerada Lei Falcão, dos tempos da ditadura, parecerá mais democrática.

Melhor seria saber apenas qual a proposta de cada partido, que realizações dispõem para demonstrar o acerto de seu programa e, quiçá, qual a biografia dos dirigentes que pleiteiam nossos votos. Nada além disso. Talvez todos utilizando a mesma infraestrutura (custeada pela Justiça Eleitoral), gastando o mesmo montante de recursos e, portanto, suportados por cifras equivalentes, sem financiamento privado, nem caixa um, nem dois e, oxalá, sem o espectro do Mefistófeles a nos alienar o destino.

* Marcelo Manzano é economista, Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho e Professor de Economia da Faculdades de Campinas – Facamp.

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