Ministério Público do Trabalho
Campinas – O Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou na tarde dessa quarta-feira (03/08) uma audiência coletiva, na sua sede em Campinas, com representantes das 20 maiores empresas do interior de São Paulo e de entidades sindicais, com o objetivo de debater sobre a flexibilização de cotas de contratação de pessoas com deficiência (PcD) por intermédio de instrumentos coletivos de trabalho e de fomentar a inclusão efetiva desta população no mercado laboral, por meio do cumprimento da lei de cotas e das normas de acessibilidade.
O evento integra uma iniciativa conjunta de duas coordenadorias temáticas do MPT na 15ª Região (COORDIGUALDADE – Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades; CONALIS – Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical), conduzidas por meio de procedimentos promocionais que buscam a garantia de direitos através do diálogo social.
Foram convidados para participar da audiência representantes do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), do CESIT-Unicamp e do projeto Meu Emprego Inclusivo, que busca aumentar a empregabilidade de PcDs no estado de São Paulo.
A procuradora e coordenadora regional da COORDIGUALDADE, Danielle Olivares Corrêa, abriu a audiência expondo dados e estatísticas sobre a população PcD no Brasil e no estado de São Paulo, chamando atenção para a vertiginosa queda dos postos de trabalho a partir da desaceleração econômica causada pela pandemia e para o recorrente descumprimento da lei de cotas pelas empresas paulistas.
Segundo os números, no estado de São Paulo existe uma população de cerca de 2,5 milhões de PcDs. Contudo, apesar da capacidade laborativa e do potencial produtivo desse universo de trabalhadores, a grande maioria não consegue ser contratada ou retida no mercado de trabalho. Como base exemplificativa, na Região Metropolitana de Campinas (RMC), de um montante de 874 empresas paulistas com mais de 100 funcionários, apenas 169 cumprem a lei de cotas, ou seja, 19,3% do total.
Para a procuradora, além das barreiras arquitetônicas, tecnológicas e de comunicação, a principal delas é a atitudinal, relacionada ao preconceito e à discriminação por parte dos contratantes.
“Parte considerável das pessoas com deficiência tem escolaridade, ensino superior ou médio completos, ou seja, tem acesso à educação e tem condições de ingressar no mercado formal de trabalho. Mas como têm características próprias, elas precisam também ter acesso às tecnologias assistivas para desenvolver suas funções como os demais trabalhadores. A recusa em providenciar adaptações e tecnologias assistivas é uma forma de discriminação. O trabalho identifica cada um de nós, e aqueles que trabalham estão produzindo e gerando lucro para a empresa, girando a economia na cidade onde mora. O empregador que consegue ver isso tem muito mais lucratividade, pois os demais trabalhadores percebem que se trata de um ambiente diverso e inclusivo”, disse a procuradora.
A auditora fiscal do trabalho e coordenadora nacional de fiscalização de PcDs no mercado de trabalho, Camila Bemergui, expôs que, nos processos de fiscalização, a discriminação a PcDs é algo perceptível, pois geralmente as empresas que contratam tendem a oferecer funções de menor exigência intelectual e que não tenham interação com o público.
“Não fiscalizamos apenas cumprimento de cota, mas o histórico da empresa, como é a retenção das PcDs naquela empresa, como se dá a integração e a inclusão verdadeira no local de trabalho, e se a empresa tem realmente uma cultura inclusiva”, observou.
Instrumentos coletivos – Outra questão levantada pelo MPT tem relação com os acordos coletivos firmados entre empresas e sindicatos, com cláusulas que excluem cargos e funções da base de cálculo utilizada para a contratação de PcDs, restringindo o cumprimento legal da cota.
De acordo com a procuradora e coordenadora regional da CONALIS, Lia Magnoler Guedes de Azevedo Rodriguez, a prática é ilegal, uma vez que se trata de norma de interesse público.
“As cotas sociais representam matéria de interesse público. A categoria não pode dispor sobre esse direito, pois ele é indisponível. Ao acordar cláusulas que limitam a acessibilidade, as partes estão influindo na esfera de direitos de terceiros, e impedindo, inclusive, que essas pessoas integrem a categoria”, explica.
A procuradora citou a expedição de uma Orientação Conjunta da CONALIS (nº 14), que dispõe sobre a ilegalidade deste tipo de cláusula em instrumentos coletivos. “A orientação deixa bem claro que aos sindicatos contratantes falta a pertinência temática para adentrar nessa matéria, ela escapa da esfera da categoria”, disse, reforçando que, recentemente, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a ilegalidade dessa prática no tema de Repercussão Geral 1046, decidindo que instrumentos coletivos devem respeitar direitos indisponíveis na contratação de PcDs e jovens aprendizes.
Pesquisa – Uma pesquisa apresentada na audiência coletiva pela pesquisadora Guirlanda Maria Maia de Castro Benevides, do Núcleo de Pesquisas sobre Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência (NTPcD) do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da Unicamp, demonstrou que o problema tomou proporções maiores após a reforma trabalhista, sancionada em 2017.
O estudo mostra que o número de instrumentos coletivos de trabalho com cláusulas que restringem a base de cálculos para contratação de PcDs cresceu substancialmente. Segundo a pesquisa do CESIT, um total de 685 cláusulas faziam referência às pessoas com deficiência nos anos de 2016 e 2019.
Enquanto em 2016 o número de cláusulas restritivas às ações afirmativas era de 54,8% do total, a incidência em 2019 foi de 67,8%. Destas, 77% se relacionavam às restrições para admissão de PcDs pelas empresas, no ano de 2019, e 75,3% em 2016.
“Confirmou-se que, majoritariamente, os instrumentos coletivos suprimem, reduzem ou impedem a inclusão de PcDs no mercado de trabalho. Apesar de tudo, sabemos e acreditamos que é relevante o papel dos sindicatos”, observou a pesquisadora.
Empregabilidade – A audiência foi concluída com a exposição da assessora técnica da Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Fernanda Ferreira, que apresentou o projeto Meu Emprego Inclusivo, que tem como objetivo aumentar a empregabilidade e rendas das PcDs no estado de São Paulo, por meio de ações de busca ativa de candidatos a vagas de emprego, qualificação, suporte aos contratantes, inclusão profissional e apoio para a permanência e desenvolvimento do beneficiado nas empresas. O responsável pela gestão do polo de empregabilidade de Campinas, Eduardo Henrique Tedeschi, contou um pouco sobre a experiência de inclusão na metrópole do interior paulista.
Fernanda explicou aos presentes que, mesmo após análises acuradas de perfil de vagas e preparação de candidatos, o aproveitamento ainda é baixo, o que, segundo ela, se dá em decorrência das barreiras atitudinais.
“A efetividade de pessoas incluídas é de apenas 10%. Não encaminhamos currículos, mas fazemos uma pré-seleção dos candidatos olhando para o perfil que a empresa gostaria de ter como contratado. As empresas dizem que, muitas vezes, a pessoa não tem o perfil, mas há uma morosidade e um olhar para a deficiência, e não para o potencial. A barreira atitudinal ainda é a maior dificuldade para a inclusão”, contou.
O projeto Meu Emprego Inclusivo contará, até o final de 2022, com 19 polos de empregabilidade nas principais cidades do estado de São Paulo.
Legislação – Sancionada em 1991, a lei 8.213 estabelece que empresas com cem ou mais empregados devem preencher uma parte dos seus cargos com pessoas com deficiência e/ou reabilitadas.
Em 2015 foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão, que dá maior eficácia aos comandos constitucionais e aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, determinando um conjunto de normas destinado a assegurar e a promover, em igualdade de condições, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das PcDs, incluindo acessibilidade no local de trabalho e às tecnologias assistivas que possibilitam o seu desenvolvimento profissional.