“A ‘Europa dos Mercadores’, prevista pelo ex-presidente francês François Mitterrand, finalmente se instalou”. Assim termina a rica análise do professor Lício da Costa Raimundo sobre “As raízes históricas da crise européia” que publicamos neste número da Carta Social e do Trabalho.
Com o objetivo de apresentar os movimentos decisivos de construção e desconstrução da Europa no pós-guerra, o autor procura nas raízes históricas da atual crise européia, ultrapassar as análises correntes que identificam, por vezes, os excessos dos consumidores ou a má administração fiscal dos governos, como elementos decisivos da crise. Lício oferece uma contundente interpretação que relaciona a crise atual às fragilidades do processo de integração europeu, que se acentuou nas últimas décadas.
Assim, demonstra ao longo do trabalho, como o projeto original de integração europeu, forjado nas reminiscências dos traumas das duas guerras mundiais e do nazifascismo, nos quadros da guerra fria, foi sendo descaracterizado progressivamente, chegando ao paroxismo nas décadas posteriores à crise da década de 1970, com o avanço da finança internacionalizada sob protagonismo estadunidense. Dessa maneira, afirma que “as mudanças nas condições de fundo sob a qual se organizava a reaproximação européia, com o fim da guerra-Fria em 1989, explicitaram a possibilidade de avanço de um processo que, em verdade, já se encontrava em marcha: a divisão de interesses estratégicos dentro do núcleo rígido do bloco europeu formado por França e Alemanha”.
Com efeito, tal divisão, sugere o autor, foi consolidando a força de uma Alemanha unificada numa Europa transformada em espaço crescentemente livre à circulação dos capitais financeiros, sobretudo alemães, ingleses, holandeses, franceses e americanos, da expansão dos capitais industriais, sobretudo alemães, para a Europa do leste e da incorporação acelerada de novos membros (periféricos) à União Européia.
Distante dos anseios democráticos do imediato pós-guerra e das motivações de homens como Adenauer e De Gasperi, a crise européia atual reafirma a dramática imagem de François Mitterrand – de uma “Europa de mercadores” – evocada de forma oportuna pelo professor Lício.
Esta edição foi organiada por Denis Maracci Gimenez e José Ricardo Barbosa Gonçalves e conta com artigo de Lício da Costa Raimundo.