Cresce o número de pessoas com deficiência empregadas em São Paulo

Apesar do avanço, a maioria das empresas do estado não cumpre as cotas estipuladas pela legislação

Christina Queiroz, da Revista Pesquisa FAPESP

Entre 2010 e 2020, a quantidade de pessoas com deficiência que mantinha vínculos formais de emprego no estado de São Paulo aumentou de 96,2 mil para 148,8 mil, o que representa um crescimento de 54,6%. Apesar do avanço, 83,7% das empresas paulistas não cumpriam as determinações da Lei nº 8.213/91, que prevê que companhias com 100 ou mais funcionários devem reservar parte de suas vagas para essa parcela da sociedade. Os achados integram estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), realizado desde 2021 com financiamento do Ministério Público do Trabalho (MPT). O acesso ao mundo do trabalho é uma das múltiplas questões relativas a pessoas com deficiência que vêm sendo estudadas em diferentes áreas do conhecimento.

Em 2021, o estado contava com 11,8 mil empresas obrigadas a reservar vagas para pessoas com deficiência. Desse universo, apenas 1,8 mil cumpriam as cotas determinadas pela lei, ou 15,9% do total. “O percentual registrado em São Paulo é menor do que a média do Brasil, onde 23,6% das corporações atendem às diretrizes da legislação”, compara a economista Guirlanda Maria Maia de Castro Benevides, do IE-Unicamp e uma das autoras do estudo. A pesquisadora pontua que, desde 2010, a quantidade de pessoas com deficiência empregadas atinge uma taxa média de crescimento de 5,1% ao ano. Na sua avaliação, o movimento resulta, principalmente, da existência de legislação que assegura o emprego formal para essa população. “No entanto, ainda temos muito o que avançar em relação ao cumprimento da Lei de Cotas”, destaca.

Conforme o artigo 93 da lei, o percentual de reserva de vagas varia conforme o porte da companhia. Empresas com 100 a 200 empregados são obrigadas a ter em seu quadro 2% de funcionários com deficiência, enquanto para organizações com 201 a 500 trabalhadores esse percentual sobe para 3%. Companhias com 501 a mil profissionais precisam cumprir o patamar mínimo de 4% e, para aquelas que contam com mais de mil trabalhadores, o número aumenta para 5%.

Entre 2003 e 2015, Benevides coordenou o Programa de Inclusão na Gerência do Trabalho em Campinas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Uma das alegações que escutávamos com frequência das organizações que não cumpriam essas determinações é que as cotas não eram totalmente atendidas porque não havia profissionais com deficiência disponíveis no mercado”, relata a pesquisadora. Com a proposta de averiguar essa questão, o estudo da Unicamp mostrou que São Paulo tinha em 2021 cerca de 1,8 milhão de pessoas com deficiência na faixa etária de 16 a 64 anos potencialmente aptas para o mercado de trabalho. Considerando todas as empresas do estado, a quantidade de vagas para pessoas com deficiência totalizava 327,5 mil, sendo que menos da metade (45,4% do total) estava preenchida naquele ano, ou 148,8 mil postos de trabalho. “No geral, as empresas contratam, mas não atingem o percentual mínimo estabelecido pela lei”, explica Benevides.

Ainda conforme o estudo da Unicamp, as vagas preenchidas em São Paulo, em 2022, estavam principalmente no setor de serviços, seguido pelo da indústria e comércio. A maioria dos empregados (52,5%) tinha ensino médio completo ou superior completo (19,9%). Pessoas com deficiência física registraram 75,8 mil vínculos formais em 2022, ou 45,6% do total, enquanto o valor equivalente para indivíduos com deficiência auditiva foi de 19%. Já para pessoas com deficiência mental e intelectual, a participação foi menor, de 14,2%, ou 23,5 mil vínculos de emprego.

No período de 2010 a 2020, os vínculos formais de emprego aumentaram em todas as faixas etárias, menos entre pessoas de 16 a 24 anos, em que foi registrada uma queda de 12% (ver gráfico). “A redução no ritmo do crescimento econômico do país e a crise sanitária causada pela Covid-19 afetaram o mercado de trabalho como um todo, impactando de forma mais intensa os jovens, especialmente aqueles com deficiência”, avalia a economista Jacqueline Aslan Souen, do IE-Unicamp, que também participou da pesquisa. De acordo com o levantamento, trabalhadores brancos com deficiência ocuparam 59,6% das vagas formais. Em seguida, vieram as pessoas pardas (26,2%) e pretas (6,9%). O estudo foi realizado a partir do cruzamento de dados disponíveis na Relação anual de informações sociais (Rais-MTE) e em pesquisas domiciliares elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O economista Alexandre Gori Maia, coordenador da pesquisa do IE-Unicamp, explica que no Brasil cerca de 1/3 das pessoas com deficiência em idade ativa está no mercado de trabalho. Segundo ele, em países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos, essa presença é menor, na medida em que as nações oferecem políticas de assistência social e benefícios. Gori considera as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e os baixos salários como os grandes obstáculos para o desenvolvimento profissional de pessoas com deficiência. “Esses indivíduos acabam ocupando vagas com remuneração modesta e muitos atuam no mercado informal”, diz o economista. Nesse sentido, Souen informa que, ao observar o mercado formal no estado de São Paulo, a pesquisa também mostrou que a maioria desses indivíduos (60,1%) recebe um salário nominal médio de cerca de 1,8 salário-mínimo e dentre as ocupações que mais absorvem essa mão de obra estão os ofícios de escriturário, vendedor e atendente.

As dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência na busca por independência, inclusive financeira, têm sido objeto de análise da pedagoga Annie Redig, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FE-Uerj), nos últimos 10 anos. “Muitos estudantes com esse perfil terminam a educação básica sem a perspectiva de projetos futuros. Outros, quando começam a trabalhar, não recebem a assistência necessária para permanecer e se desenvolver na função”, afirma a pedagoga, que integra o Grupo de Pesquisa em Inclusão Educacional e Social daquela universidade.

Para ajudar pessoas com deficiência a se tornarem autônomas, Redig desenvolveu um protocolo com estratégias e ações integradas para orientar a transição entre a escola e o mundo do trabalho. Por meio do documento, familiares e gestores escolares realizam questionários e conversas com os indivíduos em questão, para conhecer as suas habilidades e dificuldades. Através do protocolo, também é possível identificar seus objetivos e organizar os passos que devem ser seguidos para que suas metas profissionais sejam alcançadas. “Se o aluno com deficiência deseja fazer faculdade, é preciso apoiá-lo na elaboração de um plano de estudos para que ele consiga passar no vestibular, enquanto aqueles que querem começar a trabalhar precisam de auxílio para mapear as empresas onde podem conseguir emprego, por exemplo”, finaliza a pedagoga.

A economista Guirlanda de Castro Benevides apresentou o estudo sobre pessoas com deficiência empregadas em São Paulo em podcast da Fapesp. Ouça pelo link à frente: https://revistapesquisa.fapesp.br/guirlanda-de-castro-benevides/

A reportagem acima foi publicada com o título “Caminho incerto” na edição impressa nº 340, de junho de 2024.

Artigo científico MAIA, A. G. e GARCIA, V. G. Labor market impacts of employment quotas for the disabled in Brazil. Economia Aplicada, v. 23, n. 2. 2019.

Livro BENEVIDES, G. M. M. C. (Org.). Pessoa com deficiência e trabalho – Estudos para o estado de São Paulo e um breve panorama nacional e internacional. Curitiba: Editora CRV, 2022.

Documento REDIG, A. G. Documento norteador para implementação do Plano Individualizado de Transição – Primeiros passos. Ponta Grossa: Atena Editora, 2024.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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