Eleições e Relações de Trabalho: retrocesso previsível ou esperança de disputa

José Dari Krein* e Vitor Filgueiras* | Publicado originalmente em IHU Unisinos 

Há mais de 20 anos, desde o início da década de 1990, está em curso uma ofensiva do capital sobre o trabalho no Brasil, que tem ensejado o ataque a qualquer forma de limitação do processo de exploração e reprodução da riqueza abstrata.

Diversas organizações empresariais se uniram em torno de demandas pelo incremento do despotismo na determinação das formas de contratação, remuneração, uso e dispensa da força de trabalho. Nesse cenário, um dos principais inimigos eleitos pelo empresariado é o direito do trabalho, incluindo os agentes e instituições que podem efetivá-lo.

Na década de 1990 esse empreendimento se disseminou, adquiriu grande repercussão e aceitação retórica, e obteve mudanças favoráveis às demandas empresariais em termos de regulação do trabalho.

Após 2002, as forças empresariais não conseguiram emplacar juridicamente algumas das suas principais demandas, contudo, a pressão contra os direitos trabalhistas tem sido crescente e cada vez mais intensa, incluindo diversas formas e espaços de atuação, como pode ser observado, por exemplo, nos documentos das Confederações Nacionais que representam os empresários da Indústria e da Agricultura.

A eleição de domingo é um momento crucial no processo de luta pela não redução e fragilização das normas que protegem os trabalhadores no Brasil e, quiçá, pelo avanço da construção de pontes para a efetivação de direitos que preservem minimamente a vida e a qualidade de vida daqueles que vivem do trabalho.

Nos governos Fernando Henrique, os interesses do capital concernentes à regulação do trabalho estiveram amplamente representados para a adoção de medidas precarizantes. Mesmo com uma oposição dos trabalhadores, foram aprovadas regulamentações danosas às condições de trabalho, a exemplo do chamado “banco de horas”. Nesse período também foi instituída uma política deliberada de Fiscalização do Ministério do Trabalho conciliadora com a ilegalidade, e a Justiça do Trabalho quase foi extinta.

Ainda no Governo Fernando Henrique, com Aécio Neves como presidente da Câmara dos Deputados, foi encaminhado o projeto do chamado “negociado sobre o legislado”, que, na prática, viabiliza a eliminação de amplo espectro dos direitos trabalhistas. O projeto foi votado na Câmara, com intervenção ativa de Aécio, mas uma grande pressão do movimento sindical conseguiu impedir a votação do projeto no Senado.

Os anos 1990 foram marcados pela vinculação, assumida e propalada pelo governo, entre nível de emprego e custos do trabalho, em particular do direito do trabalho. A demanda por flexibilidade, eufemismo empiricamente desmascarado para a supressão de direitos e precarização das condições de trabalho e vida de milhões de pessoas, foi reiteradamente, e por diversos meios, veiculada e entranhada em vários campos da sociedade.

Nos anos 2000, os governos do PT deixaram muito a desejar em termos proteção do trabalho, especialmente no que concerne à efetivação dos direitos já previstos. Além disso, e também por isso, esse período foi acompanhado pela continuidade e mesmo incremento da ofensiva empresarial.

Por outro lado, é necessário reconhecer que os governos petistas deixaram de encaminhar três das principais demandas empresariais: 1) foi tirada de pauta a proposta do “negociado sobre o legislado”; 2) a terceirização não foi mais liberalizada para além da Súmula 331 do TST; 3) o conceito de trabalho análogo ao escravo, cuja redação ocorreu em 2003, não foi alterado. Ademais, a política de valorização do salário mínimo tem contribuído substancialmente para a elevação dos rendimentos daqueles que vivem do trabalho.

Nos últimos anos, especialmente por conta dos incômodos que setores das instituições de regulação do direito do trabalho têm causado, o capital tem sido cada vez mais agressivo contra os limites ao seu despotismo.

Os ataques empresariais contra o direito do trabalho têm ocorrido em diversas frentes e, na atual conjuntura, há inúmeros indícios de que “o palco está montado” para golpes que suspenderiam substancialmente os limites à exploração do trabalho, dos quais a terceirização, o “negociado sobre legislado”, as normas de proteção à saúde e o conceito de trabalho análogo ao escravo, são os principais focos, apesar de não serem os únicos.

Domingo estará colocada a possibilidade de retorno do projeto que governou o país nos anos 1990, com a mesma plataforma de flexibilização (redução de direitos e precarização) do trabalho. A mesma retórica que liga direito do trabalho e nível de emprego, empiricamente desmontando nos últimos anos, mas ainda utilizada pelos tucanos (que não por acaso criticam seguidamente a elevação do salário mínimo), voltará com força.

O candidato do PSDB evitou se posicionar explicitamente sobre temas ligados ao direito do trabalho durante as eleições. Não por acaso seu programa é vago. Isso se explica pelo fato de que, ao contrário de Marina, “cristã nova” que buscava atrair o apoio empresarial e introduziu expressamente as demandas do capital em seu programa, Aécio é herdeiro e representante legítimo dessas forças, contado com a total confiança de empresários e suas entidades. Os pontos chaves da regressão dos direitos trabalhistas têm apoio do candidato, seja pelo seu histórico de atuação, como o “negociado sobre o legislado”, seja por suas declarações, no caso da liberalização da terceirização, ou por omissão eloquente, no que concerne ao trabalho análogo ao escravo, cujo combate o candidato não se comprometeu (foi o único a não assinar compromisso contra o crime).

Se Aécio ganhar a contenda, teremos tempos ainda mais difíceis do que anos 1990, pois há duvidas da capacidade de resistência da sociedade diante da crescente ofensiva do capital, ainda mais com um Congresso Nacional que conseguiu incrementar seu conservadorismo.

Se Dilma sair vitoriosa, o avanço do emprego, que já tem ocorrido, pode se aliar à melhoria das condições de trabalho e de vida de dezenas de milhões de pessoas, caso o governo reveja algumas de suas posturas, especialmente no que concerne ao Ministério do Trabalho.

Em suma, é muito pouco provável a regressão da regulamentação do direito do trabalho num novo mandato petista. Por outro lado, o avanço da efetividade das normas é uma possibilidade, e dependerá da sensibilização do governo.

Já uma eventual vitória tucana, pelo contrário, trará uma extremamente provável regressão de direitos, com ataques mais efetivos e profundos do que os ocorridos na década de 1990, tanto pela ofensiva do capital que o governo certamente trará para o seu interior, quanto pela duvidosa capacidade de resistência dos trabalhadores na atual conjuntura.

* – Pesquisadores do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia/UNICAMP).

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