Nota Pública do Núcleo de Pesquisa sobre Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência (NTPcD), vinculado ao CESIT/IE-Unicamp, sobre o tema da prova do ENEM.
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017 sobre os “Desafios para a Formação Educacional de Surdos no Brasil” provocou uma ampla discussão na sociedade brasileira. Entre os estudantes submetidos à prova nacional e educadores que preparam seus alunos para o exame, houve surpresa com um assunto “específico”. Ocorreram, inclusive, reclamações relacionadas ao fato de que esse tema representaria um “problema menor”. Como, por outro lado, também foram feitos elogios à proposta que manteve a tradição recente do Exame em abordar temas relacionados às questões sociais e aos direitos humanos.
De fato, nos últimos anos tópicos que se inserem nessa característicaforam uma constante na aplicação do Exame, tais como a intolerância religiosa, violência contra a mulher e fluxo imigratório, entre outros. Sobre o assunto desse ano, uma primeira informação relevante é que, de acordo último Censo Demográfico (2010), 9,7 milhões de pessoas tinham algum grau de dificuldade permanente em ouvir. É bem verdade que, desse universo, apenas cerca de 350 mil disseram ter “total” dificuldade, nos termos do questionário da pesquisa.
Em termos meramente quantitativos, portanto, poder-se-ia argumentar pela especificidade do tema. Mas essa não nos parece a forma correta de tratar com essa questão. Para além dos “diretamente envolvidos”, a importância da escolha desse tema recai, exatamente, nas discussões que ele suscita, quebrando a invisibilidade de um segmento que, a seu modo e de diferentes maneiras, busca sua inserção social.
Os surdos são um grupo heterogêneo entre si – usuários de LIBRAS e oralizados, por exemplo – assim como as próprias pessoas com deficiência. Acreditamos ser importante que os alunos, os professores e a sociedade em geral saibam disso. Da mesma maneira, vamos discutir abertamente a questão da inclusão escolar, os recursos e os suportes – ou a falta deles – para a formação escolar, a capacitação dos professores, a acessibilidade, enfim, é salutar que isso seja debatido.
Claro, não se pode limitar a isso, mas o enfrentamento desse debate, que tem como pano de fundo a desigualdade brasileira e a permanência de atitudes discriminatórias, é passo necessário para transformação social que se busca. Nesse contexto, o NTPcD saúda a escolha do tema. Nosso Núcleo buscará, através de suas pesquisas junto à comunidade cientifica, movimentos sociais e agentes públicos, e baseados nos princípios da transversalidade, contribuir para essa discussão e fornecer subsídios concretos para o combate às desigualdades e respeito às diferenças humanas.
Finalmente, vale destacar que essa proposta de ação é necessária em função do momento pelo qual passa o país, ainda enfrentando uma crise econômica, com retrocessos e ataques aos direitos sociais. Particularmente no campo das pessoas com deficiência, cabe defender as conquistas garantidas desde a Constituição de 1988, além de cobrar a aplicação das normas e princípios consagrados na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) e na Lei Brasileira de Inclusão (2016), dentre outras legislações específicas.